A Transfobia por trás do uso do FaceApp

Bruna G. Benevides
4 min readJun 14, 2020

--

Não sei porque voltaram com este app em 2020. Realmente, a pandemia não para de nos surpreender. O programa chegou aos trendings no Twitter neste sábado (13), com milhares de postagens. Principalmente com o uso do filtro de muda o gênero das pessoas nas fotos. Famosos e anônimos, viralizaram na rede social.

E junto do app, voltou a discussão sobre o reforço de esteriótipos de (cis)gênero e óbviamente, sobre transfobia.

Sentir-se adequado é uma raridade vivendo em uma cultura que lucra ao nos fazer sentir imperfeitos. E não é de admirar que sintamos a necessidade de editar como o mundo nos vê, seja alterando as palavras e sentimentos que publicamos ou as imagens de nós mesmos que compartilhamos.

Entre a comunidade trans, há uma discussão sobre o quanto o FaceApp é uma verdadeira fábrica de disforia para algumas pessoas, e nada como exibir uma imagem atual de si mesmo através de um filtro idealizado para alimentar esses demônios. Mas, juntamente com essas reservas, veio o otimismo: esse conceito pode dar algum consolo e direção (e, reconhecidamente, também alguma angústia) para transportar pessoas trans que estão no armário — para o mundo exterior e/ ou para elas próprias.

Eu fiz, e para mim, isso provocou um tipo estranho de disforia. Eu podia ver uma mulher que se parecia muito comigo, mas não se sentia como eu. O que vi na imagem filtrada era bonito e parte de mim desejava ter esses recursos. Mas também parecia totalmente impossível de conseguir, mesmo com hormônios e cirurgias. (Amy Rachell)

O filtro “masculino” invariavelmente adiciona uma barba e o filtro “feminino” sobrepõe os cabelos longos, reificando idéias binárias sobre gênero. E ambos revelam um rosto perfeito, mas inatingível. FaceApp e outros aplicativos como esse sustentam a falsa noção de que existe um binário claramente discernível em oposição ao gênero. Ou vocês acreditam mesmo que ficariam como a foto mostra?

Querem brincar com o app?

Eu acho curiosa a ideia de você poder usar uma ferramenta para se divertir e tentar se ver diferente. Mas é exatamente aí que mora o problema. Não sabemos lidar com questões de gênero, pois o cissexismo está tão impregnado em nossa cultura, que só temos a possibilidade de nos enxergar a partir da noção binária e ciscentrada. E isso é extremamente reforçado pelo app.

Existe uma linha tênue entre incentivar as pessoas a levarem o gênero menos a sério e não considerar as realidades trans ou perpetuar descuidadamente mal-entendidos sobre identidades trans.

O FaceApp não faz você trans. Nossas identidades não são fabricadas com um app ou podem ser tidas como a brincadeira de vocês. A questão pode não ser os próprios filtros, mas a intenção da pessoa que os usa. E isso fica muito nítido pelas coisas que eu vi com muita frequência, as pessoas cisgêneras estão usando para deixar surgirem comportamentos que não são aceitáveis ​​para pessoas transgêneras a.k.a. Transfobia.

Não estraguem a brincadeira naturalizando transfobia no feed das redes sociais.

Não afirmamos nossa identidade com recursos digitais, nós a vivemos no dia a dia e isso é muito pesado em nossa sociedade. Nós somos essencialmente o alvo da piada, através de caricaturas cruéis e insensíveis. É uma transfobia passivo-agressiva, no sentido de que fetichiza o gênero.

Parece realmente hipócrita quando as pessoas cis podem usá-lo para tratar o gênero como uma conveniência e uma piada de diversão e risos, enquanto fecham os olhos para pessoas trans, não binárias e nossas lutas.

Pessoas trans postarem fotos como eram antes da transição social não tem nada a ver com o app. Para nós esta é uma questão muito sensível e de empoderamento, não de risada.

Então por favor, querem usar o app, usem. Mas não saiam por ai dizendo que “seriam assim’’ se fossem travesti ou “como seria’’ se fosse trans. Usar “Transicionei” como legenda é um ABSURDO!

Eu realmente espero que as pessoas cis pensem em como, para eles, o recurso FaceApp é apenas um filtro, mas o mínimo que eles podem fazer é ser mais respeitosos e mais atento a nós — não apenas online, mas também offline.

Política de privacidade frouxa e histórico racista do FaceApp

por Alberto Rocha

Apesar da proposta divertida, o aplicativo de origem russa, que soma mais de 100 milhões de instalações na Google Play Store, foi alvo de discussões sobre privacidade e ciberespionagem, inclusive sendo investigado pelo FBI, por conta de sua política de privacidade vaga, com muitas brechas que preocupam em relação à proteção dos dados do usuário.

Entre os trechos polêmicos da Política de Privacidade do FaceApp está um que diz o seguinte:

“Usamos ferramentas de estatísticas de terceiros para nos ajudar a mensurar o tráfego e as tendências de uso do Serviço. Essas ferramentas coletam informações enviadas pelo seu dispositivo ou nosso Serviço, incluindo as páginas web que você visita, add-ons e outras informações que nos ajudem a melhorar o Serviço. Coletamos e usamos estas informações estatísticas com informações estatísticas de outros Usuários, assim ela não pode ser usada para identificar qualquer Usuário em particular”.

Ou seja, ao concordar com isso no momento de instalação do app o usuário autoriza que o FaceApp e empresas parceiras possam coletar dados como o histórico de navegação na internet, por exemplo.

Para piorar a situação, a inteligência artificial do aplicativo ainda foi acusada de racismo ao embranquecer pessoas negras a partir de um filtro de “embelezamento” para tornar a selfie do usuário “mais sexy”. Na época, a Wireless Lab OOO, desenvolvedora do aplicativo pediu desculpas publicamente pelo ocorrido.

Recomendo ainda, a leitura deste texto sobre segurança digital e privacidade:

https://www.facebook.com/100000513946168/posts/3769084209785340/?d=n

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

--

--

Bruna G. Benevides
Bruna G. Benevides

Written by Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!

No responses yet

Write a response