Bem vindo ao novo Brasil!

Bruna G. Benevides
4 min readNov 1, 2019

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O ano é 2016, enfrentamos um golpe na democracia do país. Tivemos nossa presidenta destituída por um golpe baseado naquilo que conheceríamos mais adiante, como a consolidação das pós verdades e fake news. Além da conjuntura política, que realmente enfrentava diversos problemas no campo da economia e casos recorrentes de corrupção, as pautas que vinham sendo discutidas pela esquerda mais próxima do campo progressista e apontava para um avanço nas discussões sobre assuntos como os direitos das mulheres, da população LGBTI e das pessoas negras, passam a ser usados como uma das justificativas para a retirada de um governo que representa uma ameaça a valores “morais” baseados em ideologias religiosas, e de fundo obviamente, capitalista.

Não à toa, a justificativa recorrente e mais citada durante o processo de votação do Impeachment veio com um recado claro, “votamos SIM em nome de Deus, em favor da família e pelos valores conservadores”. E ali iniciava o que hoje reconhecemos como a institucionalização do ódio e a legitimação em torno daquilo que tais discursos agregavam. Pânico moral, é o nome que fez parte na composição de união da ala conservadora, anti direitos, que seguia com sua escalada para o poder.

2017, a violência no Brasil atinge o ápice e se torna o ano que mais se assassinou pessoas, seja por violência do Estado — com a policia que mais mata do mundo (e a que mais morre também), ou pela falta das ações do Estado em descumprimento da constituição federal, para proteção cidadão e não das instituições. Jovens negros, mulheres ou LGBTI, os indesejáveis sentiam a fúria da necropolitica, sem mediação possível. Houve perda de direitos, congelamento de investimentos na educação, saúde entre outras áreas, e foi aprovada a reforma que acabava com direitos dos trabalhadores.

Dando seguimento ao golpe de 2016, em 2018 o principal candidato a eleição, o ex Presidente LULA é preso injustamente a fim de ficar fora da disputa eleitoral e abrir caminho para o candidato da extrema direita que despontava em uma avalanche de fake news como aquele que iria mudar o Brasil. Mas francamente, de que mudança estamos falando?

Os resultados das eleições, aliado a tudo que passávamos deixou o brasileiro, cidadão comum, perdido, magoado, reativo, desesperançado, logo, facilmente atraído por soluções mágicas. Há uma ação coordenada de bombardeamento de ficções, criadas com o intuito de manipular a realidade e que passou a se fazer presente nos locais comuns, grupos de família que se dissolveram e especialmente nas redes sociais. Este não é um fenômeno tipicamente brasileiro, mas aqui abriu mazelas e maculou as relações. Tirou do armário a sombra maligna e perversa do desejo de outrora. Sob a tutela de uma família de “bens” política e não politizada, estamos diante da validação da barbárie.

Ainda no período eleitoral, já vimos a pergunta, sobre a tal mudança, sendo respondida diariamente. Um mestre de capoeira, homem negro, idoso, é assassinado por motivações políticas bolsonaristas. E repetidamente vemos dados da violência contra a população LGBTI aumentar, no país que pelo décimo ano consecutivo vinha se mantendo como o que mais assassina LGBTI do mundo, em especial pessoas trans.

Vimos casos Travestis sendo atacadas ou assassinadas aos gritos de ‘’bolsonaro’’. Ele, tornou-se um xingamento comum contra aquelas pessoas que ousavam desafiar o CIStema. Pessoas LGBTI+, sendo espancadas à luz do dia, sem nenhuma ajuda de transeuntes que se preocupavam mais em filmar do que prestar qualquer apoio. Grupos de ódio eclodindo pelo país, anunciando em nome de deus o que se tornaria o novo Brasil, pós golpes e sob a égide de um governo processado por machismo, denunciado por racismo e condenado por homofobia em segunda instância.

Janeiro de 2019 chegou e sai de cena o Brasil que era país do futebol, que era friendly e amigável. Que caminhava para uma convergência rumo a tolerância, para uma conquista de direitos possíveis e necessários e do diálogo possível entre o estado e sociedade em geral. E se fortalecia ali, o Brasil da masculinidade frágil, porém tóxica, do fundamentalismo religioso, de militares ocupando ministérios, de padres incitando o ódio e pastores tomando de assalto pastas sensíveis como a de Direitos humanos. Tudo devidamente arquitetado para pavimentar o que viria após a posse do presidente eleito.

Necropolis Brasilis: O Brasil que matou Marielles, Dandaras, Joaquins e Marias. Que rechaça o titulo de gay-friendly e convida turistas a virem transar com nossas mulheres. Que ataca líderes de estado. Que votou contra questões de gênero, direitos das mulheres e da população LGBTI ao lado de países reconhecidamente violadores de direitos humanos na assembléia da OEA. Que manipula seus relatórios de ações junto a ONU. Que carrega kilos de cocaína na comitiva oficial do presidente. Que ignorou as queimadas na Amazônia e vazamentos de óleo que atinge grande parte de nossa costa. Que protege juízes e desembargadores que manipularam a maior investigação anticorrupção da história do país. Que expulsou seu único deputado federal gay sob ameaças de morte. Que se fecha ao diálogo e encerra canais junto a população. Que extinguiu órgãos de construção coletiva da sociedade civil, comitês de gênero e tem atacado a educação pública, a previdência e promovido uma cassada aos direitos da população LGBTI através de censura, perseguição e coação.

O Brasil que pobres, pretos, macumbeiros, putas, viados, travestis e sapatonas já conheciam bem, saiu do armário e está alcançando quem acreditou que se aliando ao pensamento neoliberal, pentecostal, hetero-cis-patricarcal e racista, estaria ileso, se enganou. O pior país para ser LGBTI do mundo sempre existiu, mas ele piorou, e muito. Agora, o mundo está conhecendo a verdadeira face do brasileiro de bem(sic) e seus pensamentos mais íntimos.

Este é mais um capítulo do novo Brasil que o mundo não conhece e que nem deveria existir. Que temia virar uma ‘’república comunista’’, mas que agora é um exemplo da necessidade de uma luta constante para preservação da democracia para que outros países não sigam o mesmo caminho que o nosso.

Resistam! Seguiremos resistindo daqui…

Texto publicado originalmente no site: sudaka.tlgbi.com.ar

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Bruna G. Benevides
Bruna G. Benevides

Written by Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!

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