Espelho, espelho meu…
É incrível observar como, mesmo sem perceber, as pessoas são afetadas por ti, pelas suas ações e provocações — algumas intencionais eu admito. Afetadas pelo que você está fazendo, produzindo e impactando na vida de quem te acompanha, e até virariam a cara para você se pudessem. Mas que não conseguem te ignorar pelo simples fato de você as instigar a serem uma melhor versão de si mesmas.
E deve ser muito difícil perceber ou admitir, assim como é difícil escrever sobre isso sem parecer pedante. Exatamente porque aqui — e onde estiver, falo mais sobre mim do que delas. E falar delas, é exatamente marcar o quanto me vejo fora e para além de mim, nelas.
Eu vejo as similaridades, algumas sutis e outras nem tanto. Observo o gestual, a escolha as roupas, o cabelo, as gargalhadas, e até os jargões repetidos insistentemente. A forma de falar se altera. Eu leio a cópia feita sem citação ou referência, que leva junto os erros não revisados.
Eu sei da maledicência exposta sem pudor nas reuniões e transas casuais, nas mesas dos bares ou em grupos de WhatsApp frente a conhecidos que se calam. Uns até incentivam e aproveitam para, entorpecidas, destilarem o mais amargo veneno retido por tanto tempo. Recebo no privado gigas de prints e áudios com vozes familiares.
Eu ouço as risadas pelas costas e sinto o aperto de mão frio em nossos encontros. Rio do sorriso amarelo que me direcionam e o desconforto em dividir os espaços comigo. Em ter que me ouvir. Sair em fotos comigo. Eu vejo os elogios não ditos, expressos em olhares que não encaram, sufocados pela insegurança revelada na torção do canto da boca.
Estou falando isso porque eu me reconheço nelas, quase como um espelho, borrado. Enxergo como quem vislumbra o mundo através de uma visão distante, um olho cansado, míope talvez. Me vejo inclusive nos erros que são cometidos querendo acertar. E acho tudo isso incrível.
Olhamos para o outro sem saber o que procurar. Buscamos alguma resposta onde ela não está. Talvez porque olhamos mais para o outro e perdemos de vista aquilo que somos. Muitas vezes o que parece não é. E o que é nem sempre aparece.
E eu sei, que as pessoas também sentem o peso de se tornarem outras. O cansaço, as disputas, as constantes necessidades de desconstruções e reconstruções. Abrindo mão de si. Deslocando-as do seu lugar comum.
E que bom seria se pudéssemos falar abertamente sobre isso. Do orgulho de olhar no seu eu espelho, nos ouvir e inspirar sem melindres. De deixar velhos maus hábitos de lado. Transformar a distância em afeto. De construir algo melhor, juntas. Ah como seria bom ser eu em muitas versões e não apenas em mim. Dividir o peso delas em mim também.
Enquanto isso sigo as observando e desviando do que elas são capazes, exatamente por saber que também sou capaz do mesmo.