Existe Feminilidade tóxica?

Bruna G. Benevides
4 min readJul 29, 2019

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Relutei bastante em escrever sobre este tema. Passei dias digerindo minhas inquietações. Refletindo, lendo e conversando com diversas pessoas. E cheguei a conclusão de que para pensar sobre FEMINILIDADE TÓXICA, é necessário entender que esta não tem a ver em como homens invertem nossas discussões para nos colocar no mesmo patamar que eles em termos de opressão.

Não nos é dado o mesmo poder para usar as ferramentas do patriarcado a nosso favor.

Mas quero refletir no quanto a feminilidade compulsória também pode exercer uma pressão doentia — e tóxica, quando a mulher torna-se algoz de si mesma, juntamente com a sociedade se cobrando cada vez mais.

A ideia de Feminilidade como conhecemos é a uma ferramenta de controle que aprisiona mulheres que não compreende ninguém que deseje ter um poder sociopolítico idêntico ao de um homem.(D. Nisenbaum)

Impondo um padrão de ser/estar feminina a partir de uma ética estética e política com viés biológico que atende ao padrão comportamental e sexual, a fim de atender o desejo dos homens/sociedade sob a ótica patriarcal.

Seguindo a lógica do patriarcado, tudo que é feminino é visto como subalterno. E muitas de nós mulheres, muito por influencia religiosa, cultural e/ou familiar, acabamos por reproduzir e perpetuar um padrão de feminilidade tóxica.

Não estou falando apenas de um padrão ético estético, que tanto oprime e angustia as mulheres, mas de um código de conduta que rege o comportamento de uma feminilidade. Que patrulha a beleza e adoece aquelas que não alcançam o padrão imposto; monitora as roupas sob um modelo estético tido como feminino; baliza o comportamento (frágil, dependente, omisso e instável) e os desejos — que devem ser reprimidos para que não sejamos vistas como uma ameaça.

Que ajuda a manter a hierarquia do homem sobre mulher não apenas ao aceitar a ideia de que mulher tem que ser submissa e se manter calada, mas também sobre quem é essa mulher, reforçando mais uma vez a ideia de que devemos estar sempre disponíveis para atender os desejos e a imposições de uma feminilidade incólume. Onde a culpa por tudo que nos acomete é inteiramente nossa, por nos rebelar e abrir mão do lugar que nos foi imposto ao não aceitar uma feminilidade uniforme a serviço aprisionamento de mulheres.

Vários são os exemplos de feminilidade tóxica — normalmente compulsória, porque é cultural, que vão desde a imposição de uma docilidade e silenciamento frente a imagem e os abusos do homem, até aquela que se posiciona contra as lutas e as conquistas feministas, ou contra o direito ao corpo e a sexualidade livre, assim como a própria emancipação da mulher.

Não nos ajuda nessa discussão, uma feminilidade que acredita em uma destinação exclusivamente biológica para ser ou se tornar mulher e/ou ter filhos e na maternidade compulsória, bem como aquela que perpetua e reproduz abusos e violência de gênero contra outras mulheres, que se alia ao poder masculino para a manutenção deste status, e acaba por oprimir suas iguais, ou excluir aquelas que julgam não pertencentes ao ideal de um determinado sagrado feminino¹. Que nega e não reconhece a interseccionalidade, e a diversidade de gênero, como uma importante ferramenta para romper com a lógica dominante, que exclui pessoas trans e/ou acredita em uma “ideologia de gênero’’.

E por isso é importante falar dos desafios de lutar contra o machismo e promover a emancipação de outras mulheres — todas, em nossos espaços inclusive. Mas também incentivar uma desconstrução do padrão de feminilidade que adoece, aprisiona, tira o protagonismo de outras mulheres e a possibilidade de avanço de mulheres para ocupar espaços de poder, que hierarquiza, diz quem é mulher e qual de nós podemos ter acesso a direitos.

Então sim, respondendo a pergunta inicial, tenho pensado que existe uma feminilidade tóxica que é dominante e que precisamos romper com ela para pensarmos em avançar ainda mais rumo ao lugar de igualdade — e de poder, para nós mulheres.

No entanto, há uma distinção fundamental a ser feita: a masculinidade tóxica encoraja a violência e a dominação para manter um poder desproporcional. Enquanto a Feminilidade tóxica pode ser vista como a aceitação silenciosa da violência, a dominação e a imposição de um padrão de feminilidade que visa unicamente manter a mulher longe do poder, mas também contrária e distante das questões de seu próprio enfrentamento.

Esse debate é muito mais amplo e complexo, atravessado por um conjunto de intersecções e precisa ser olhado com maior aprofundamento. Este texto é uma primeira tentativa de pensar comigo mesma, a partir de questões cotidianas e leituras de textos enviesados, a fim de organizar uma linha de reflexão sobre esse tema que promova discussões.

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¹É preciso antes de tudo saber o que se pretende e o que se imagina que seja o Sagrado Feminino. Ou apenas criamos mais um grupo de fantasiosas místicas que se acham especiais por serem mulheres, mais especiais do que os homens, e ainda pior, podemos criar regras, dogmas onde algumas mulheres se identificam, se encaixam e outras não. Ou seja, algumas são sagradas e outras…nem tanto. Mas mesmo assim em algum momento todas irão fazer reverências às suas ancestrais, mesmo que elas tenham em suas histórias características que não as façam assim tão “sagradas”. E mesmo que uma mulher desta roda não tenha verdadeira honra por suas ancestrais devido à traumas e mágoas de verdadeiro sofrimento nas mãos delas, farão o gesto de reverência, pois caso não perdoem ou honrem suas ancestrais estão fugindo ao sagrado feminino, não são dóceis e amáveis de flores no cabelo como se espera do arquétipo feminino, diga-se de passagem — distorcido. (Sagrado Feminino , os riscos para as rodas de mulheres por Andrea Schiavi Do Matri Gaia)

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Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!