Bruna G. Benevides
7 min readSep 18, 2019

Existem realmente Ex Gays ou Ex Trans?

Borboletas presas. Libertem-se!
Borboletas aprisionadas, Libertemo-nos!

Se admitíssemos que a homossexualidade tem “cura” por psicoterapia, medicamento ou seja lá o que for, seria possível afirmar que o contrário, também poderia haver um tratamento para heterossexuais se tornarem homossexuais?

Esta é uma pergunta interessante para entender o viés ideológico que está por trás da tentativa de regulamentar as terapias de re-orientação sexual e/ou de gênero.

Antes de continuar, eu gostaria de frisar que acredito que uma pessoa pode (e deve) ter novas experiências nos campos sexuais e afetivos, que tanto a sexualidade quanto a identidade de gênero são processos que podem apresentar fluidez e são passíveis de variações ao longo da vida, que podem se manter, se alterar ou confluir, de acordo com o autoconhecimento da pessoa, em sua forma de estar confortável com si mesma e sobre seus desejos. E que, para qualquer mudança neste sentido, ela não vai depender necessariamente de um psicólogo ou pastor para isso. E ela tem o direito de buscar outras formas de prazer, de forma espontânea e não por uma imposição, culpa ou medo.

Alguém conhece um ex-gay que não seja evangélico — ou cristão, e que não tenha escolhido reprimir sua sexualidade por conta de uma ideologia religiosa? Pois bem, este será o viés que iremos analisar no presente texto.

Comumente vemos relatos e testemunhos de pessoas que são levadas a acreditar que assumir uma postura cis-hetero-normativa-compulsória vai fazer cessar uma aparente dor de viver em um mundo que os violenta. E em contrapartida, lançam livros, filmes, fazem palestras, entram para o mainstream pentecostal, e criam toda uma industria sobre o tema. O que justificaria o sacrifício — teologia da prosperidade mode on.

Essas pessoas, passam por um processo violento de negação de suas subjetividades e negociação de suas vidas, deixam de se reinvidicar enquanto gays, lésbicas ou trans, e passam a compor uma outra minoria que se auto intitula como ‘’ex-gays’’. Onde surgem novos desafios dentro de suas famílias, igrejas e templos religiosos, que — em grande parte dos casos, os mantem segregados do restante da congregação e arranjos familiares, os fazendo sentir culpa pelo que viveram, apesar do aparente arrependimento. E terão que conviver com a dúvida sobre serem realmente aceitos enquanto varões(sic). Os tornando vitimas de seus algozes/aliados em constantes processos de patrulha, humilhações e discriminação.

Muitos são levados a constituir casamentos arranjados para provar que sua conversão é real e a partir disso, surge uma hiperexposição sobre suas vidas passadas, com campanhas que pretendem explorar em alto grau suas experiências e promover uma justificativa para a possibilidade da realização das terapias de re-orientação sexual ou de gênero, apoiadas por grupos religiosos, inclusive que hoje são agentes do estado.

Proporcionalmente ao número de conversões, vemos emergir um processo inverso: Os Ex-ex-gays(sic). Pessoas que não suportam este tipo de violência e acabam retornando a seu status anterior, quando tem forças para seguir em frente. Muitos, não suportam a dor e a decepção, e se suicidam.

Porque alguém iria buscar uma mudança de vida, senão pela imposição de um padrão de sofrimento elevado e perseguições em uma sociedade extremamente violenta e lgbtifóbica como a nossa? Quem se sentiria livre e feliz experienciando a perseguição, mitos e tabus que fundamentalistas religiosos — e de gênero — impõe sobre a homossexualidade e a transexualidade? E eu gostaria de propor uma pausa para que refletíssemos sobre de onde vem este sofrimento.

Eles demonizam, patologizam e criminalizam a existência LGBTI publicamente, pregam em rede nacional sem nenhuma restrição que ser LGBTI é algo ruim, mal, perverso e sujo. Perseguem todos os direitos das pessoas LGBTI, expulsam LGBTI de casa, incentivam o ódio, a violência disfarçada de amor e adoecem famílias inteiras por conta de uma busca insana pela manutenção da cis-hetero-normatividade.

Se a cisgeneridade e a heterossexualidade fossem realmente algo natural, porque essas pessoas estariam sempre tão preocupadas em a impor e por defendê-la? Sendo algo natural, necessitaria mesmo dessa defesa tão violenta?

A ideia de pegar pessoas com um alto grau de vulnerabilidade, como é o caso de homossexuais ou pessoas trans que buscam esse tipo de ajuda, e prometer que ela vai deixar de ser gay/trans, é exercício ilegal da atividade profissional. Charlatanismo — afirma Maria Berenice Dias.

Vivemos no pior país para ser LGBT do mundo. O que mais mata Travestis e Transexuais. E como querem que alguém deseje passar por isso? Claro que há pessoas que, de tantas violências, irão abrir mão de ser quem são para não ter que sofrer tantas perseguição. E essa lógica é totalmente perversa. A lógica do adoecimento.

Na verdade, este argumento mascara a real intenção dessas pessoas de que a homossexualidade ou transexualidade são um erro, um desvio de conduta, ou ainda uma doença, e que por isto deve ser reprimida e curada; e que a pessoa deve ser re-orientada a todo custo para ser curada e manter a ordem natural da vida(sic).

Não vamos esquecer o apoio que o governo federal tem dado as igrejas através da bancada funadamentalista, assim como às comunidades terapêuticas, com incentivo fiscal e repasse de milhões de reais. Onde são estes mesmos centros que vem promovendo grandes violações de direitos humanos de seus clientes/pacientes. Especialmente frente ao desmonte da politica antimanicomial. Lembremos que a saúde também vem sendo usada para o controle de pessoas fora da norma.

Trata-se de lógica de mercado da melhor qualidade: criar o problema pra poder vender a solução.

Imprimindo assim, o isolamento, sofrimento, negação da possibilidade de ser quem é, depressão, baixa estima, problemas de convívio social, e toda sorte de problemas que esse tipo de imposição traz. Como vamos ter uma saúde mental de qualidade? Como vamos ter orgulho de quem somos, se vivemos em uma sociedade que diz que devemos nos envergonhar? Ninguém precisa ser reorientado. As pessoas precisam ser livres e ter suas subjetividades respeitadas.

Se não houvesse perseguição, discurso de ódio e lgbtfobia estrutural, e religiosa, ninguém da comunidade LGBTI pensaria em procurar um psicólogo para modificar sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Discutimos muito sofrimento da população LGBTI mas discutimos pouco, as causas reais deste sofrimento. Já viram os índices de suicídio da população LGBTI e os contextos em que as pessoas estavam inseridas?

Se um pai ou uma mãe achar que há algo errado com a criança se ela manifestar uma suposta homossexualidade ou transexualidade (e ai não será a vontade da pessoa) e levará essa criança para ser “curada” pelos psicólogos canalhas que se prestam a fazer este tipo de serviço sujo.

E no caso das pessoas Trans — especialmente crianças e adolescentes, os argumentos são ainda mais baixos, pois criam um pânico moral sobre as questões de diversidade de gênero, fake news sobre terapia hormonal ou cirurgias em crianças, e tentam criminalizar a existência de pessoas como eu, que não se enquadram na lógica — compulsória — cisgênera.

Não podemos ignorar os efeitos nefastos nas vidas das pessoas que são submetidas a esta violência que se concentra em uma tentativa de silenciamento e aniquilamento de uma existência livre. Não faltam relatos de pessoas que passaram por terapias de reversão sexual e viveram momentos de terror, pânico, violência física, mental, sexual e patrimonial.

Vale lembrar que a comunidade dos psicólogos brasileiros sérios é radicalmente contra a esse projeto, já que ele se baseia em religião, e não na psicologia em si, para considerar que uma pessoa precisa de tratamento para deixar de ter um comportamento homo ou bissexual, ou ainda Transexual.

Ser gay deixou de ser doença em 1990, e em junho de 2018 a OMS anunciou a retirada da Transexualidade da categoria de transtornos mentais, logo, não há que se ter uma cura para o que não é doença.

Se você comemorou a decisão do STF sobre a proibição da cura gay, você deveria igualmente se inteirar sobre como a mídia está divulgando estudos sobre “disforia de gênero de início rápido” e “contágio social”.

Se você se preocupa com a questão de terapias de reversão de gênero e sexualidade você deve se preocupar com estudos mal feitos que buscam enfraquecer as abordagens sobre identidade de gênero, quando estamos falando especificamente das identidades trans.

Observações:

  1. Destransição pode ser um caminho totalmente possível e legítimo, desde que a pessoa tenha plena consciência do seu lugar na sociedade. Não necessariamente deveria estar ligada a arrependimento ou questões religiosas.
  2. Arrepender-se de algo não deve ser visto como uma fraqueza ou tabu. Faz parte de nossa humanidade e devemos aprender a enfrentar nossas frustrações e expectativas. Profissionais capacitados podem ajudar neste processo.
  3. Há muitas pessoas LGBTI mais velhas que infelizmente enfrentam um processo de abandono, extrema pobreza, e tantos outros processos, que acabam sendo obrigadas a abrir mão de suas subjetividades para minimizar os impactos da LGBTIfobia em sua velhice. E isso não tem a ver com cura gay ou cura trans. Isso tem a ver com sobrevivência!
  4. De acordo com a resolução CFP 13/2007, o Conselho Federal de Psicologia reconhece apenas uma Psicologia, que se constitui por 12 especialidades, técnica e cientificamente validadas. “Psicologia Cristã” não é uma delas.
Bruna G. Benevides
Bruna G. Benevides

Written by Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!

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