Governo precisa sair do armário em relação aos direitos das pessoas trans

Bruna G. Benevides
5 min readDec 1, 2023

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A luta LGBTQIA+ tem sido constantemente atacada e visto suas pautas serem politizadas de forma enviesada pela extrema-direita ao redor do mundo para mobilizar e direcionar o ódio ao pensamento progressista e a governos que defendem os direitos humanos desta parcela da população através de manipulações da opinião pública devido a LGBTIfobia social que tem sido passada de geração em geração, ensinada de pai para filho e de filho para neto, nos púlpitos e nos palanques da política institucional, e encontrado campo fértil para as tentativas de criminalização dessas existências e radicalização da discriminação contra corpos, identidades e sexualidade dissidentes.

Especialmente nos últimos anos, no mesmo instante em que pessoas trans tem conseguido avançar em algumas conquistas ao redor do mundo, observamos a reorganização de um ecossistema conservador da extrema-direita — que cresce com governos autoritários e neofascistas — e tem alavancado um levante anti-gênero em reação a maior inserção de temas que envolvem pautas tidas como “identitárias”, mas que, na verdade tratam do enfrentamento de injustiças e garantias de direitos humanos, alguns deles bem básicos como direito ao nome e a um tratamento respeitoso e digno, onde as políticas antitrans passam a funcionar como catalisadores da radicalização de grupos de ódio e a disseminação sistemática de fakenews, narrativas conspiracionistas das mais absurdas, e sem qualquer respaldo na ciência.

Se empenhar para aprender sobre os direitos da população trans, pensando na urgência de um letramento sobre diversidade de gênero, de modo a enfrentar de forma qualificada, firme e técnica as falácias antitrans como o mito da ideologia de gênero e outros espantalhos que tem sido convertidos como os bichos-papões do século XXI, precisa ser visto como parte da luta antifascista, mas também antirracista, anti-misoginia e como forma de oposição a toda produção de ações e narrativas oriundas da extrema-direita, dos fundamentalismos religiosos ou essencialismos de gênero.

Não adianta tentar se blindar de críticas de setores que outrora depuseram um governo do PT com o golpe de 2016 e que estão corroendo agora o governo das conciliações que tem cobrado um preço alto, e que tem custado vidas. Uma agenda política pró direitos das pessoas trans não pode ser vista como uma ameaça de perda de votos, pois se trata de garantir dignidade, direitos e a própria vida dessa população. Resgato o dado de que há 15 anos o Brasil segue no topo dos assassinatos de pessoas trans e nem podemos atribuir esse índice apenas ao governo temer e Bolsonaro.

O Governo Lula precisa sair do armário e assegurar através de ações, compromissos, politicas e acenos simbólicos frente a sociedade que vidas trans importam e para que a transfobia deixe de ser uma pauta da extrema-direita contra o próprio governo. Enquanto o presidente e as demais áreas do governo (e partes da esquerda) seguirem se esquivando de assumir uma posição pública e organizada em defesa dos direitos trans, a direita continuará usando a agenda antitrans para enfraquecer a atuação do governo, seja com fakenews ou violência.

“Banheiros unissex”, “hormônios e cirurgias em crianças”, “trans estuprando mulheres cis”, são temas que nem são novos, e se somam ao kit gay e a mamadeira de pirOka — que nunca tiveram uma atenção efetiva para serem derrubados e enfrentados oficialmente. A falta de posição tem custado caro ao governo e mais ainda à população LGBTQIA+, especialmente às pessoas trans.

Não da para aceitar que uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional LGBQTIA+ se vista como um problema e leve um ministro de estado ao vexame que foi uma verdadeira sabatina na câmara porque o governo não quis afirmar seu compromisso com uma educação antitransfobia na escolas. Não dá mais para seguir aceitando acenos e flertes com o fascismo e recuar para a manutenção de um modelo de RG transfóbico que expõe pessoas trans a constrangimentos, humilhações e a diversas violências institucionais, simbólicas, psicológicas e até mesmo físicas porque o governo não quer lidar com a questão. Precisamos construir uma sociedade segura para crianças e jovens trans poderem se desenvolver com segurança e qualidade de vida. O que acaba por trazer impactos ainda mais deletérios a vida e aos direitos das pessoas trans. Aumentando nossa insegurança e violência contra nós.

Enquanto nos orgulhamos de ver a Anita ganhar Grammys e o mundo se render ao seu talento rebolando a bunda, recentemente vimos a Ministra da Saúde “repudiar veementemente” uma mulher trans que dançou igual à diva pop em um evento de promoção à saúde. Ou observar sem se incomodar quando perguntada por um deputado se homens podem gestar, a ministra da saúde perdeu a oportunidade de dar uma resposta bem simples e educativa: Homens trans podem gestar e terão acesso aos cuidados em saúde necessários. E o que vimos foi o constrangimento de uma resposta muito mal elaborada pela ministra, que além de se expor a uma cena absurda, chamou atenção para a necessidade de diálogos com instituições, pesquisadoras e ativistas trans — em todas as áreas.

Precisamos vencer o medo que o campo progressista, a esquerda e nossos “representantes” tem de abordar nossos direitos e existências. Precisamos que romper com o pacto da cisgeneridade e com a transfobia. Só assim nossas vidas deixarão de ser um tabu e poderemos avançar.

Temos que derrubar o mito das “pautas identitárias” que a esquerda tem usado para esvaziar ou silenciar o debate sobre diversidade sexual e/ou de gênero e que tem se virado contra o governo. Precisamos encarar com coragem como tem sido feito em outros temas para que pessoas trans passem a ser vistas como dignas de direitos e de terem vidas vivíveis, e para que o próprio governo se liberte da chantagem que tem sido posta por forcas antidemocráticas.

O país que mais elege pessoas trans não pode continuar sendo o que mais as assassina, e o governo tem um papel fundamental nesse sentido. E para isso precisa sair do armário e agir para mudar a realidade material em que estamos inseridas. Não esperamos nada diferente daquele em que depositamos nossa confiança e seguiremos aqui reafirmando nosso compromisso, mas também assumindo postura critica sempre que necessário.

Pessoas trans ajudaram a eleger este governo, e embora entendamos as movimentações que precisam ser feitas, o governo precisa assumir uma posição em defesa dessas pessoas e assegurar sua cidadania.

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Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!