Lésbicas cis estariam sendo ‘pressionadas a fazer sexo com mulheres trans’ ?

Bruna G. Benevides
6 min readMay 31, 2022

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Bom, a resposta é não!

E foi isso que a BBC reconheceu hoje em uma nota sobre o artigo publicado há alguns meses em que nos deparamos com uma matéria publicada na própria BBC e em diversos outros canais de mídia pelo mundo em que alegava que supostamente mulheres cis lésbicas estariam "sendo pressionadas a fazer sexo” com mulheres trans. E no Brasil o texto caiu como uma bomba contra a nossa comunidade, já que há diversos grupos antitrans se articulando por essas bandas e aproveitaram para tentar criminalizar ainda mais nossas existências ou a possibilidade do reconhecimento da sexualidade não heterossexual de mulheres trans/travestis.

Contando com o apoio de mulheres lésbicas cis, feminsitas e outros grupos aliados, pessoas trans se organizaram para pressionar a BBC apontando diversas inconsistências e problemas em torno do conteúdo e da forma com que o artigo foi colocado.

A reportagem da BBC alegando que lésbicas cis não passou de uma propagando enganosa e ficou bem abaixo dos padrões editoriais da emissora, especialmente no quesito verificação de informações, foi o que descobriu a equipe de reclamações da empresa após intensa pressão de pessoas trans e outro grupos que tem se debruçado sobre o lobby antitrans no Reino Unido.

O Departamento de Política Editorial da BBC recebeu hoje uma carta dos 10 maiores grupos LGBT+ do Reino Unido que se uniram em apoio à comunidade trans.

A história, escrita pela jornalista da BBC News Caroline Lowbridge, atraiu duras críticas entre grupos LGBTQ+ e grupos compostos por mulheres cis condenaram a BBC por apoiar de forma flagrante uma campanha transfóbica e apoiar mais esse ataque direto às mulheres trans.

Nessa revisão, ficou nítico que a publicação foi altamente irresponsável e perigosa. Publicada em 26 de outubro de 2021, imediatamente levou a mobilização de protestos e diversas manifestações contra os escritórios da BBC em várias cidades e contou ainda com funcionários LGBTQIA+ que pediram demissão em massa. Muitos o marcaram o artigo como como o mais direto e público ataque anti-trans feito pela BBC.

A Unidade Executiva de Reclamações da BBC (ECU) disse na terça-feira (31 de maio) que, após um “número significativo de reclamações” sobre a matéria, o chefe do departamento solicitou uma revisão sistemática do texto. Em uma longa resposta , a ECU disse que o artigo, “embora seja uma peça legítima de jornalismo em geral, ficou abaixo dos padrões de precisão da BBC”.

Atendendo parcialmente as reclamações e denuncias que foram apontadas, a ECU deixou diversas lacunas no artigo. Sua manchete, “ Estamos sendo pressionadas a fazer sexo por algumas mulheres trans ” (modificada após a revisão do artigo), por exemplo, foi considerada tendenciosa, já que não encontra qualquer indício — cientifico ou não — que isso seja verdade, simplesmente porque não houveram casos e não passa de mais uma dos mitos disseminados por grupos TERF/RADFEM e pessoas "Críticas de gênero".

A manchete “dava a impressão de que o foco do artigo seria uma suposta pressão exercida por mulheres trans, enquanto seu objetivo era mostrar a resistência em se relacionar com mulheres trans que é internalizada e experimentada por algumas lésbicas”, disse a ECU.

Muitas das pessoas entrevistadas, não deram relatos de mulheres trans coagindo-as, acrescentou a ECU.

Em vez disso, eles mantinham “sua próprias transfobias internalizadas” sobre se relacionar com pessoas trans. A ECU também reconheceu que a autora do artigo fez uso de forma acrítica de informações auto-selecionadas de 2019 feitas pelo Get the L Out, um grupo de lésbicas cis anti-trans. A pesquisa contou com 80 entrevistadas — todas ligadas ao grupo, e a história deu a impressão de que o problema seria uma “experiência generalizada, ou mesmo majoritária, entre lésbicas cis”, o que não é uma realidade já que não existiram casos concretos, mas apenas suposições vindas das fontes da pesquisa.

“Na medida em que o artigo falhou em exercer o grau apropriado de aprofundamento no tema em seu tratamento da pesquisa, ficou abaixo dos padrões de devida precisão da BBC”, continuou a ECU.

A pesquisa, disse a ECU, carecia ainda de “validade estatística” e a autora não deixou nítido que o “Get the L Out tem uma agenda antitrans ou que seria uma organização que acredita que o transativismo apaga, silencia e demoniza lésbicas que se atrevem a falar contra direitos trans (SIC) e para os quais os resultados da pesquisa tinham outros interesses”.

E enquanto a ECU manteve algumas queixas, outras foram descartadas.

A ECU afirmou que a história não perpetua “estereótipos prejudiciais e negativos” sobre mulheres trans porque “não há consenso sobre o que constitui uma visão transfóbica”. Esse argumento foi usado para afirmar que a história atendeu “suficientemente” às diretrizes de imparcialidade da corporação. Risos. O departamento também disse que se referir a mulheres trans como “homens biológicos” não equivale a chamá-las de homens (SIC).

“Também se segue que os elementos de imprecisão identificados anteriormente nesta constatação não teriam contribuído para a criação de um estereótipo prejudicial ou negativo, ainda que pudessem ter levado a uma impressão exagerada da incidência das preocupações abordadas no artigo”, acrescentou o relatório.

Uso de fonte transfóbica na entrevista

Vale ressaltar que o artigo inicialmente trazia Lily Cade, uma ex atriz pornô que tem posicionamento abertamente transfóbico na rede social e que já foi acusada por várias mulheres CIS de agressão e violência sexual. Os chefes da BBC alegaram que não estavam cientes disso na época.

A ECU descobriu exatamente o contrário. No comunicado publicado, Bosses “reconheceu, no entanto, que [Cade] havia admitido comportamentos que ela mesma reconhecia como sexualmente abusivo em uma conversa no Zoom em setembro de 2020, que havia escapado à atenção quando o artigo estava pronto para publicação mais de um ano depois.

“No contexto do artigo, essa informação teria ajudado os leitores a julgar seus comentários à luz de suas próprias ações, e foi lamentável que não tenha sido incluída.”

A BBC acabou removendo Cade da história quando foi descoberto que ela pediu a “execução” em massa e o “linchamento” de mulheres trans. A história não foi removida, no entanto. A ECU disse que a escolha da BBC de retirar as citações do Cade e adicionar uma emenda à história foi “adequadamente abordada”.

Em seu relatório, a ECU reconheceu que Lowbridge conversou com Chelsea Poe, mulher trans, que afirmou ter informado a jornalista sobre as acusações de agressão e violência sexual contra Cade antes da publicação da matéria — mas suas citações "foram ignoradas e não foram usadas porque ela não se encaixam na narrativa ”, disse ela.

Lowbridge entrevistou Poe apesar de ter escrito no artigo que nenhuma pessoa trans “de alto perfil” concordou em falar com ela.

Para a ONG Trans Activism UK, um grupo de base que organizou vários protestos contra a BBC a a resposta da ECU foi “decepcionante”. Poderia ter sido muito mais, disse o grupo.

A matéria foi republicada em diversos países pelo mundo, e a ideia de que mulheres trans querem abusar de mulheres cis lésbicas ganhou um reforço com esse artigo que já se mostrou sendo uma fraude.

“Em nossa opinião, embora isso seja um pequeno progresso e uma pequena vitória, ficou nítido que eles deram uma notícia enganosa. A resposta dada está longe do que esperávamos e, em última análise, não é uma resposta adequada”, disse o Trans Activism UK em comunicado. E continuam, “Fizemos algum progresso, mas essa resposta não muda nossos sentimentos sobre o dano que a BBC causou ao publicar um texto tão problemático e corre o risco de causar novamente no futuro.

Afinal, disse o Trans Activism UK, a história permanece no site da BBC até hoje. O título original ainda aparece quando pesquisado no Google e postado em sites de mídia social.

“A resposta também nos decepcionou, incluindo a alegação da BBC de que “não há consenso sobre o que constitui uma visão transfóbica”, acrescentou o grupo. “Como tal, a BBC acredita que as visões anti-trans não precisam ser desplataformadas sob a devida imparcialidade, da mesma forma que as visões homofóbicas seriam.”

A BBC disse em um comunicado que “embora a decisão da ECU hoje confirme sem sombra de dúvidas que o artigo foi impreciso. “A peça reconhece algumas de nossas reclamações sobre o artigo”, disse o Trans Activism UK, “mas não chega a pedir desculpas ou tomar medidas para desfazer os danos causados ​​​​pelo artigo”.

Estejamos atentas.

Informações via: BBC e PinkNews

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Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!