Meu filho é Trans? O que devo fazer?

Bruna G. Benevides
6 min readJan 16, 2020

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(Corey Maison - Digital influencer e simbolo da campanha de respeito ao direito das pessoas Trans usarem o banheiro de acordo com suas identidades de genero nos EUA)

Essa é uma pergunta recorrente que ouço, sempre que vou participar de qualquer tipo de atividade, com a intenção de saberem como agir em caso de crianças que apresentam comportamento diferente daquele que os pais (e a sociedade) esperam/desejam.

Existe uma questão anterior: Quem pode afirmar que esta pessoa é trans se não ela própria?

Constantemente vejo pais, irmãos, professores, pedagogos, psicólogos etc, sofrendo em constante processo de ansiedade, preocupados em como enquadrar a criança em algo, algumas vezes para ‘’reverter’’ esse comportamento ou mesmo para buscar algum ‘’especialista’’ que apresente as respostas que eles querem — e acreditam realmente que sejam necessárias, para a partir disso decidir como lidar com a questão.

Acredito que o erro esteja exatamente ai: Querer ‘diagnosticar’ o que passa com a criança para saber que métodos usar — se é que será necessário algum método, além do respeito e acolhimento.

Estamos falando de pessoas. E o gênero, a sexualidade, o corpo e o próprio comportamento humano, apesar de serem construídos socialmente, não devem ser demonizados, patologizados, genitalizados, engessados, coisificados, e muito menos tidos como um defeito ou erro da natureza.

Nossas expressões como o jeito de andar, falar, sentar, agir, vestir, especialmente na infância, são ensinadas e aprendidas, e muitas vezes refletem unicamente quem somos. E é nesse momento onde os problemas começam a surgir, vindo de pessoas que esperam um comportamento especifico, sem levar em conta que ali falamos de um ser humano (e que somos todos diferentes, únicos). Que está descobrindo o mundo, experimentando coisas e procurando seu lugar (ou não lugar a partir do que está normatizado) na sociedade.

Sempre falo aos pais para que não tenham essa ânsia de saber se o filho é Gay ou lésbica, ou mesmo Trans, caso ele apresente um comportamento considerado diferente do que se espera do gênero que lhe foi imposto no nascimento.

Sim, existe uma tentativa equivocada de marcar o gênero da pessoa no nascimento, a partir do genital. E é necessário perceber que o genital tem função específica para a reprodução, prazer para as pessoas que assim desejarem, mas que não determinam o gênero da pessoa. Genital não tem gênero.

Se um menino está reivindicando o uso de vestido ou coisas de meninas, não quer dizer que necessariamente ele seja gay ou trans. Se uma menina apresenta comportamento lido como masculinizado, isso também não quer dizer que ela seja trans ou lésbica.

Na verdade, ele ou ela, não estão se mostrando gays, lésbicas ou trans, estão sendo quem são, crianças. E tolir esse direito, de as crianças expressarem livremente quem são, é impetrar sofrimento e que podem levar uma série de situações violentas, com consequências devastadoras como se tornar uma pessoa introspectiva, desenvolver depressão, automutilação, podendo até levar ao suicídio. Deixem as crianças (e todas as pessoas) serem livres!!!

Tá, mas e se forem realmente crianças LGBTI? Insistem pais com certa resistência, e eu respondo sempre:

Procurem vocês ajuda. São vocês que precisaram de apoio e suporte para acolher seus filhos e as ‘’diferenças’’ que são vistas por vocês.

Vocês devem abraçá-los, ajudar a enfrentar as dificuldades que terão no trato com o mundo exterior (que é preconceituoso e intolerante com as diferenças), e educá-los a fim de que sejam pessoas honestas, éticas, dignas e livres de qualquer opressão. Orientação sexual ou identidade de gênero não tem a ver com caráter!

Vocês não tem unicamente que aceitar a condição do seu filho. É necessário acolher e fazer um exercício diário em desconstruir o cissexismo genitalista que nos aprisona e violenta qualquer ideia contrário. Considero extramente violento esse pensamento de ter que aceitar para poder amar. Aceitar alguém passa também pelo processo e possibilidade de rejeição. Não rejeitem para depois pensar em aceitar. O que seus filhos precisam é estar inseridos em uma família onde possam se expressar sem nenhum tipo de imposição ou controle sobre seu gênero. Essa patrulha de gênero é extremamente violenta para crianças.

Eu mesma lembro que era constantemente cobrada de sentar como menino, andar como menino, falar como menino. Atacar as garotinhas como menino e tudo mais que o projeto de masculinidade tóxica impõe as pessoas que nascem com pênis. E eu posso afirmar a vocês, que eu não fui criada como se fosse menino e toda violência que isso traz. Eu, como muitas crianças trans, enfrentamos a força que o cissexismo impõe sob o controle dos corpos subversivos. Na verdade, eu era apenas mais uma vítima do patriarcado que sofria por expressar um gênero que rejeitava o masculino e quanto mais me aproximava do feminino, mais violência era imposta.

Certa vez escrevi que, se fosse a cisgeneridade fosse uma condição natural, ela não precisaria de uma defesa tão ferrenha por parte de pessoas conservadoras, fundamentalistas religiosos e de gênero, feministas radicais e demais pensamentos anti-trans.

Se vocês sofrem pela possibilidade de ter um filho LGBT, não tenham filhos. A chance de ter um filho LGBTI é a mesma de ter um filho destro ou canhoto. E caso tenham, não são eles que precisam de reorientação, são vocês, nós. Que fomos ensinados a ser intolerantes, racistas, machistas e LGBTfóbicos.

Algum de vocês tinha dúvidas quando perguntadas se eram meninos ou meninas, mesmo ainda crianças, por volta dos 3 anos de idade? Porque que, quando falamos em crianças trans, as nossas verdades não são tidas como possíveis exatamente como acontece com as pessoas Cis?

Não diga que criança trans não exista antes de ouvir o que uma pessoa trans tem a dizer de sua própria infância. O fato de não sabermos que viríamos a ser trans — até porque essa possibilidade não nos é apresentada como uma possibilidade válida — não nos transforma espontaneamente em cis. Afinal, ser trans só se torna uma possibilidade necessariamente a partir da resistência, da luta, da demanda por reconhecimento individual e coletivo.

Dizer que fui trans significa apenas admitir que eu sempre fui o que sou. Significa dizer também que só simbolizamos a nossa infância, o que nós fomos enquanto crianças, a partir de uma posição atual, que a infância não significa em si mesma, ela é significada retrospectivamente também a partir de uma posição adulta. Não significa que eu teria que saber “desde sempre” que era trans — o fato de ter consciência explícita sobre o que sou não é requisito para determinar o que sou ou fui.’’ (Bia Pagliarini)

Acolham seus filhos. “As crianças transgêneras não apenas mostram preferências de identidade e tipo de gênero consistentes com sua identidade de gênero, mas também as demostram na mesma medida que as crianças cisgêneras”.

O que eles precisam é ser protegidos de ambientes e pais abusivos, mesmo que sejam LGBTI, entendam que a vida deles não lhes pertence. É infantil esse sentimento de posse que os pais, em sua maioria, tem sobre os filhos. Amem, se libertem do preconceito e sejam livres para acolher e abraçar seus filhos, independente de serem LGBT ou não.

Embora ainda sejam poucos, existem profissionais de diversas áreas atentas as crianças que cada vez mais cedo se entendem enquanto sendo pessoas não-cisgêneras ou não-heterossexuais, ou ambos. E é muito importante neste momento, ouvir a criança, respeitar seu espaço e buscar apoio para amenizar o sofrimento que possa vir a aparecer pela dificuldade de compreensão sobre o que está acontecendo consigo e com o mundo a sua volta, e contribuir para uma transição social segura. Até que possa seguir com os demais processos de mudança corporal, dentro de cada faixa etária e nos limites da própria pessoa.

Nem todas as pessoas buscam os mesmos processos de mudança. E não são as mudanças que podem ou não ser realizadas que vão dizer se aquela criança é trans ou não. No momento certo, ela poderá verbalizar o que sente e como se sente. Este momento é crucial para o resto de suas vidas e o desenvolvimento saudável de suas identidades. Respeitar este momento é de suma importância. E lembrem-se: Quando um filho sai do armário e os pais entram, esses pais estão assinando o atestado de óbito de seus filhos!

Em 2019 a ANTRA fez um vídeo lindo sobre crianças trans e a importância do acolhimento dos pais.

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Este assunto é muito mais complexo e precisa urgente ser debatido pela sociedade de forma ampla e sem um olhar genitalista. Mas este texto é uma tentativa de estabelecer um primeiro diálogo sobre a relação entre pais com seus filhos.

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Bruna G. Benevides
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Written by Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!

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