Nada contra. Mas fugir, para mim, não é uma opção.

Bruna G. Benevides
5 min readSep 30, 2019

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Todes estamos com medo…
E fugir não é um opção, nunca foi!

Tenho recebido diversas mensagens e visto muitas manifestações de desespero e pânico de uma parcela da população trans — em especial a mais jovem, falando em ir embora do país ou se esconder sob o manto da cisgeneridade.

Temos uma população extremamente vulnerável e que enfrenta diversos processos de adoecimento devido ao contexto violento em que SEMPRE estivemos inseridas, no qual a sociedade nos colocou.

Para nós nunca foi fácil.

O medo sempre esteve presente em nossas vidas. E o que nos difere, é a forma como reagimos a ele. Cedendo espaço para que ele se fortaleça; ou nos aproximando e fortalecendo mutuamente lutas históricas, a fim de criar uma resistência capaz de fazer frente contra o terror que nos assola.

Tenho dito em diversos espaços que o medo e a violência são as primeiras instituições que pessoas LGBTI, em especial as pessoas Trans, conhecemos ainda muito precocemente.

Travestis e mulheres transexuais sempre foram violentadas, expulsas de casa, marginalizadas, excluídas e rechaçadas em quase todos os ambientes. Tudo isso, em praça pública, a frente dos olhos do estado. Espancadas até morte, tendo objetos introduzidos no ânus, 50 facadas, 80 tiros, para que sirva de exemplo para as demais, como um recado: É isto que te espera.

Antes, éramos presas apenas ao transitar nas ruas. Não andávamos a luz do dia ou podíamos experienciar nossas identidades de gênero nos espaços sociais, por medo de repressão e violência, que parecem ser norteadores de nossas vidas.

Proibidas de fazer parte da cidade, ter um nome, direitos ou família, afetos e mesmo um lar. Sem oportunidade de estudar, acessar as universidades, lojas, shoppings… simplesmente não existia a possibilidade de sermos vistas como gente. Quantas pessoas trans você vê nos espaços fora da sua bolha, no dia a dia? Já se perguntou sobre isso? Ser travesti, talvez seja maior crime que cometemos!

Mesmo assim, sempre houveram aquelas pessoas que, contrariando a expectativa, resolveram lutar. Dar suas vidas, sua saúde, suas existência e seus corpos para que as coisas mudassem. Para que outras pessoas não fossem mais submetidas ao que viveram. E para quem ela lutaram?

Elas foram presas, violentadas, expulsas, silenciadas, assassinadas, pelo único crime que cometemos: Ser quem somos! Para muitas de nós, lutar não é uma opção, mas uma questão de sobrevivência (bem familiar hoje em dia não acham?). Sempre foi assim. E sempre resistimos.

E foi graças a esta luta, de quem morreu por mim e por você, que hoje temos alguns poucos direitos e políticas públicas que contemplam o respeito e uso do nome social, que nos permite acessar a saúde, as escolas, espaços de empregabilidade, de lutar por direitos e até mesmo retificar nossa documentação, sem necessidade de laudos ou cirurgias. Meu amor, estamos discutindo reserva de vagas nas universidades! Vendo doutoras trans se formando, advogadas atuando, médicas, assessoras parlamentares e prostitutas, dando o tom na política e fora dela.

Poder votar com seu nome no titulo é uma grande conquista. Ter uma conta bancária, com cartão do banco em seu nome, saber ler, escrever e ter acesso a saúde também. Ter a oportunidade de escolher entre lutar e desistir, idem. Escolhe sair do país, nem se fala!

Na primeira instituição que conhecemos, nossa família tradicional, real e comum, muitas de nós nos deparamos com ambientes tóxicos e parentes extremamente violentos, opressores e que destroem nossos sonhos, nossa saúde mental e as vezes nossa própria identidade, por acreditarem que somos um erro e que devemos pagar por isso. São diversas violências, físicas e psicológicas, violações e omissão.

Não são raros casos de expulsão de casa, por pais que sempre flertaram com a intolerância. Que internam seus filhos e filhas compulsoriamente, acreditando que temos algum desvio de caráter ou possessão demoníaca, devido a ideologia religiosa — odiosa — que acreditam e defendem. Que estupram suas filhas lésbicas para que virem mulher(sic). Há ainda diversos casos de assassinatos autorizados ou articulados por quem jurou amor indondicional.

Precisamos discutir sobre parentalidade tóxicas e os efeitos disso em nossas vidas.

Na escola não é diferente. A verdadeira Ideologia (cis)gênero impera como norma e é perpetrada compulsoriamente, sem a possibilidade de haver um convívio possível ou saudável com a diversidade, que existe e sempre existiu. Não a toa, mais de 70% das LGBTI ja sofreram algum tipo de bullying e violência devido a LGBTIfobia estrutural e institucional por parte de estudantes, colegas de classe, professores, diretores e afins, nas instituições de ensino.

Tudo pela manutenção do poder hegemônico que é ligado ao capitalismo, fatores religiosos, moralistas e com grandes doses de fascismo higienista. Valores que são passados de Avô para pai. De pai para filho e assim por diante. Inclusive a própria violência na defesa da cisgeneridade deve ser barrada, inclusive em nossos espaços.

Hoje, reivindicamos direitos e espaços que não foram pensados para nós. Ocupamos cargos que não nos era permitido. Usamos banheiros de acordo com nossa identidade de gênero e nos posicionamos em caso de violação destes direitos básicos.

E para quem eu, LUTO? Para quem lutamos?

Por acaso foi em vão a luta daquelas pessoas que morreram ou foram mortas em nome do bem maior, que inclusive ajudaram a criar e fortalecer o movimento que temos hoje? E onde vocês estão nessa luta?

Desculpem, mas eu — assim como muitas — estou cansada. Muito! Porque somos poucas, lutando por todes. Carregando um peso enorme nas costas e sendo apontadas porque não está sendo suficiente. De só olharem os erros, mesmo quando erramos tentando acertar. Há companheiras, as que sobreviveram, que fundaram o movimento e ainda continuam na luta por que muites escolheram se isolar em uma bolha que lhes protege.

Se cada um, uma e ume, entendesse seu papel nesta engrenagem, as coisas seriam bem diferentes. Vocês não aprenderam nada com as Travestis? Depois me perguntam sobre a falta de representatividade nos espaços. Onde estão vocês?

Se aproximem de quem está na luta, de pessoas que gostam de você e querem seu bem. Saiam de casa, do computador. Vamos nos organizar, criar laços de afetos e lugares seguros para nós. Honrem nossa TRANSancestralidade e nossa história. Enxuguem as lágrimas solitárias, vamos lutar e chorar juntes!

Independente de governo, a resistência sempre se fez necessária e não será agora que iremos baixar a guarda. A história nos ensina e cobra isso…

Vem pra luta… Não apenas contra #elenão mas contra todes que sempre nos perseguiram!

Vamos fazer parte desta história!

Por mim, por você, por elas, por todes!

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Bruna G. Benevides
Bruna G. Benevides

Written by Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!

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