POSE é sobre nós, e não sobre vocês!
Tenho refletido sobre os processos de apropriação de nossos espaços e narrativas por pessoas cisgêneras. E tenho observado um movimento muito forte de Houses, Balls e POSE que não representa a própria narrativa contada na série.
POSE é sobre TRAVESTILIDADES. E se vocês não entenderam isso e não estão permitindo que nós existamos nos espaços que lutamos para conquistar, a lógica de vocês — ao se apropriar de nossa arte e passar por cima de nossos corpos, é colonizadora e transfóbica.
POSE é uma série escrita por Janet Mock, uma travesti, negra. Uma série que está fazendo história com protagonismo trans pois seu elenco possui o maior número de pessoas não-cisgêneras já escalados na televisão.
POSE retrata majoritariamente a luta de Travestis e Mulheres Transexuais negras para serem reconhecidas como produtoras e influenciadoras de cultura, na construção de afetos e outras Possibilidades de existência dentro de espaços trans-excludentes. É sobre a luta histórica das Travestis.
POSE representa a discussão que muitos ignoram sobre classe, raça e gênero. É sobre a hierarquização dos corpos que estão na linha de frente da exclusão e são alvo preferencial da violência. É sobre resistência, como sobre-viver. É sobre Verônica Bolina, sobre Lohana Berkins, Marsha e Sylvia Riviera. Mas também é sobre aquela que está presa, viciada, prostituta, aquela que não é modelo, e que sobrou apenas a sujeira que habita no underground trans.
POSE é sobre verdades conhecidas mas ignoradas, é sobre a transancestralidade que nos tem sido negada, mas que vimos reinvidicando ao revisitar os túmulos e os anais da história trans. Somos filhas da AIDS. POSE é sobre-viver com HIV.
POSE é sobre aquilo que as feministas conhecem por sororidade. Mas que antes de ter uma palavra para isso, as manas da pista já se organizavam em arranjos sociais outros que muitos de vocês nem sobreviveriam. É sobre garantir sua segurança e existência em contextos violentos. É sobre dar conta de si. Da existência marginal. Marginalizada. Resistente às normas e até mesmo a morte. Insistente. Reativa.
POSE é sobre irmandade. É CasaNem. É sobre afetos, desafetos e acordos de convivência, mesmo na dissidência. É sobre disputa por algo maior. É sobre viver e deixar morrer. É sobre morrer para gerar vida. É sobre silêncio. Exclusão. POSE é esquina. É salão.
Portanto Manax, se o BALL de vocês não agrega estes corpos, os corpos das travestis pretas, não binárias, faveladas, com marca de barba e sem destino, vocês estão fazendo tudo errado. Quantas Travestis há nas HOUSE Of VOCÊS??? Tá em dúvida? Assistam novamente.
Usem dos seus privilégios de estar ocupando os nossos espaços com seus saltos e suas saias, para fortalecer e alavancar aquelas que são massacradas diariamente pela transfobia, pela omissão e pela exclusão. Até quando vocês vão continuar pisando em nossa memória e se maquiando com nosso sangue? Aprendam com o Pray Tell.
Deixem as travestis ocuparem seu trono. Nos deixe ser the Queens of the night. Entregue o que nos é devido. Agora. Ponha as damas da noite no controle do seu reino marginal. Deixem as princesas do pés grandes ocuparem o seu lugar.
Porque não abriremos mão daquilo que nos pertence. Nos bares, nas esquinas e das esquinas. Somos bailarinas da vida real. Silicone, batom vermelho, navalha, gilete embaixo da língua. Elza. Pemba. Taba. Strike a pose!
Reinvidicamos o nosso direito de ser os monstros que a sociedade criou. LIVE… WORK… POSE!