Academia Americana de Pediatria desmente autora da "CASS REVIEW"
O presidente da Academia Americana de Pediatria (AAP), Benjamin D. Hoffman, resolveu escrever uma carta pedindo direito de resposra ao NY Times após uma entrevista que o jornal NYT publicou com a Hilary Cass, a médica que fez uma revisão (Cass Raview) cheia de controversas e viés ideológico antitrans.
Chamo atenção que o NYT tem dado bastante espaço para textos e narrativas vindas de grupos antitrans. E não tem concedido entrevista ou grande espaço a alguém que criticasse a revisão.
Contextualizando:
"Cass Review" é um relatório publicado no Reino Unido, repleto de controversas e contradições, e explicitamente enviesado com a intenção de dificultar o acesso aos cuidados em saúde para jovens trans. A socióloga Ruth Pearce compilou reações ao relatório de profissionais de saúde, especialistas acadêmicos, jornalistas investigativos, grupos de direitos humanos e organizações trans — sinta-se à vontade para consultá-los para obter mais detalhes.
Na análise do Serviço de Identidade de Género do NHS do Reino Unido, o relatório Cass não encontrou provas ou evidências de que "crianças fossem levadas às pressas para cuidados de afirmação de género com pouca ou nenhuma avaliação"(sic): De acordo com as principais conclusões na p.337 do PDF, apenas “27 % de pacientes foram encaminhados para endocrinologia” com “média de 6,7 consultas antes do encaminhamento”. Além disso, de 3.306 pacientes, eles relataram que menos de 10 destransicionaram (p.341) — isso é menos de 0,3% de taxa de destransição.
Embora a revisão de Cass especule sobre o “contágio social” e a “influência dos pares” que levam as crianças a se tornarem transexuais, eles não fornecem citações que demonstrem que isso está realmente acontecendo (aliás, aqui está a realidade sobre "epidemia trans ou disforia de inicio rápido"). Mais importante ainda, não fornecem nenhuma evidência de que abordagens alternativas — como forçar as crianças a experimentar puberdades endógenas indesejadas, psicoterapia prolongada e/ou esforços mais explícitos de conversão de género — levariam a melhores resultados.
Recomendo ainda ler o texto que escrevi sobre 7 mitos em torno da transição de jovens e crianças trans e a nota técnica sobre cuidados em saúde para crianças trans publicado no Brasil por especilistas no assunto.
Ao lado do “WPTAH FIles”, a revisão compõe parte da estratégia de ataques a pesquisas e informações que tem garantido acesso a cuidados em saúde para jovens e crianças trans, diretamente ligada a grupos antitrans contra instituições como a WPATH e a AAP — instituições que defendem cuidados de afirmação de gênero para jovens e crianças trans.
Voltando a entrevista de Cass e a resposta da AAP ao NYT
Na recente entrevista ao NYT, a Dra. Cass chamou a Academia Americana de Pediatria de “uma organização de tendência esquerdista” e fez afirmações falsas sobre a mesma.
Em resposta, na carta, a AAP reafirma de forma contundente que defende o cuidado de afirmação de gênero para jovens transgêneros, ao mesmo tempo que repreende as declarações de Cass na entrevista, a própria revisão (Cass Raview) e a forma como foram usadas.
A carta da Academia Americana de Pediatria (AAP) ao New York Times aborda ainda vários pontos importantes sobre a política de cuidados de afirmação de gênero para jovens trans. A seguir um resumo ponto a ponto da carta:
- Caráter da Política de Cuidados de Afirmação de Gênero: A carta inicia esclarecendo que a política da AAP sobre cuidados de afirmação de gênero é frequentemente mal interpretada. A política da APP defende cuidados individualizados, considerando a consulta com a família e a equipe de saúde de cada paciente.
- Acordo com a Dra. Hilary Cass: Menciona que a Dra. Hilary Cass sugere que os médicos americanos deveriam fazer o que foram treinados para fazer, com o que a AAP concorda. A AAP recomenda que pediatras tratem jovens com diversidade de gênero da mesma forma que tratam todos os outros pacientes.
- Descaracterização dos Cuidados de Afirmação de Gênero: Ainda na carta, a AAP responde às críticas que frequentemente descrevem os cuidados de afirmação de gênero como uma "pressão agressiva para uso de medicamentos ou intervenções". A carta esclarece que isso é incorreto e que não existem tratamentos ou prazos pré-determinados.
- Início dos Cuidados de Afirmação de Gênero: Na carta, a AAP afirma que os cuidados de afirmação de gênero começam com uma conversa e muitas vezes não avançam além disso. Muitos jovens se beneficiam de ter espaço e tempo para explorar sua identidade de gênero com o apoio da família e da equipe de saúde, o que é fundamental para o seu bem-estar. Essa abordagem inclui serviços médicos, de saúde mental e sociais, além de recursos e apoios para pais e famílias.
- Papel da Política na Tomada de Decisões Médicas: A carta concorda com a Dra. Cass que a política não deve interferir na tomada de decisões médicas. No entanto, critica políticos em mais de 20 estados dos EUA que têm tentado proibir esses cuidados e criminalizar os profissionais de saúde, colocando seus julgamentos acima dos pais e médicos, assim como de pesquisas e evidências consolidadas sobre o tema.
- Status das Proibições na Europa: A carta aponta ainda que, embora na entrevista se diga que "diversos países europeus limitaram o acesso a cuidados para jovens trans" após o relatório do Dr. Cass, nenhum país europeu, exceto a Rússia, proibiu completamente a prestação de cuidados de afirmação de gênero quando clinicamente necessários.
- Validade das Pesquisas Existentes: A AAP discorda das dúvidas lançadas em larga escala pela Dra. Cass sobre as pesquisas existentes. A carta afirma que a evidência que apoia suas recomendações é mais matizada do que a apresentada na entrevista. Uma revisão independente em andamento avaliará o conjunto de evidências para que a AAP possa continuar a fornecer as melhores orientações aos pediatras. As conclusões do Dr. Cass serão consideradas nessa revisão.
- Compromisso da AAP: A carta termina reafirmando que a AAP continuará a seguir a ciência e a colocar os pacientes e suas famílias em primeiro lugar.
O autor da carta, Benjamin D. Hoffman, presidente da AAP, reforça o compromisso da organização com cuidados de saúde baseados em evidências e centrados no paciente.
A verdadeira notícia (e que motivou a carta da AAP), porém, não é apenas essa resposta da Associação, mas sobre como Dra. Cass deturpou deliberadamente a posição da AAP, o que fez com que a instituição senti-se a necessidade de corrigir isso. Para lembrar, em sua entrevista, Cass escreveu o seguinte:
E as suas afirmações estão completamente em desacordo com a política publicada pela AAP, que contém exactamente a nuance que ela falsamente afirma não existir.
Infelizmente, essas deturpações têm sido comuns vindos da Dra. Cass, o que nos faz questionar sobre até que ponto ela realmente se envolveu com a literatura clínica, o que é altamente preocupante para uma médica com sua reputação e o trabalho a que lhe foi confiado.
Também ficou nítido que esta não é a única observação surpreendente em sua entrevista a NYT. Especialmente a sua afirmação de que a medicina no Reino Unido não é politizada — especialmente os cuidados de saúde trans — o que é inacreditável.
Integra da Carta da AAP em inglês:
To the Editor:
Re “Growing Divide on Youth Gender Medicine” (Science Times, May 21):
Despite how it is often characterized, the American Academy of Pediatrics’ gender-affirming care policy statement calls for individualized health care for each patient, in consultation with their family and health care team.
Dr. Hilary Cass suggests that American doctors should do what they are trained to do. We agree. The A.A.P. recommends that pediatricians care for gender-diverse young people the same way they care for all their patients.
Critics of our policy often mischaracterize gender-affirming care as aggressively pushing medications or interventions. That is wrong. There are no predetermined treatments or timelines.
Gender-affirming care begins with conversation, and it often goes no further than that. For many young people, having the space and time to explore their gender identity with the support of their loved ones and health care team is critical to their well-being. This health care approach integrates medical, mental health and social services, including resources and supports for parents and families.
Dr. Cass says that politics should have no role in medical decision-making. We agree. In the U.S., politicians in over 20 states have placed their judgment ahead of parents and doctors by seeking to ban this care and criminalize those who provide it. Even following the publication of Dr. Cass’s report, no European country except Russia has fully banned the provision of gender-affirming care when medically necessary.
Dr. Cass casts broad-scale doubt on existing research. We disagree. The evidence supporting our recommendations is far more nuanced than is represented in the interview. An independent review that is already underway will evaluate the body of evidence so the A.A.P. can continue to provide the best guidance to pediatricians. Dr. Cass’s conclusions will be considered in this review.
The A.A.P. will continue to follow the science and put patients and families first.
Benjamin D. Hoffman
Portland, Ore.
The writer is president of the American Academy of Pediatrics.