Aliança LGB é um cavalo de tróia dentro do arco-íris

Bruna G. Benevides
10 min readApr 13, 2021

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Não bastasse o levante anti gênero, anti trans e contra dos direitos da população LGBTI que temos visto pelo mundo, temos acompanhado a movimentação de grupos trans excludentes dentro do campo progressista, incluindo gays, lésbicas, bissexuais e grupos feministas que tem articulado um levante contra os direitos das pessoas trans.

A LGB Alliance (Aliança LGB) é um grupo que se pretende maior do que realmente é, e que defende critérios biológicos para definir homens e mulheres, negando a existência de pessoas trans ou qualquer possibilidade de reconhecimento da identidade de gênero, especialmente para a garantia e acesso a direitos. Ou seja, é uma aliança cissexista — antitrans de gays e lésbicas, muitos que atuam em espaços de esquerda e em movimentos feministas.

O grupo é formado por um punhado de “lésbicas influentes, gays e bissexuais” cisgêneras, em sua maioria brancas e bem colocadas socialmente, que tiveram acesso a estudo e reproduzem argumentos que em outros tempos foi usado contra gays e lésbicas para atacar as pessoas trans. E tem se empenhado com a missão de “contrariar a confusão entre sexo e gênero que hoje é difundida no setor público e em outros lugares” e "contra o transativismo". Promovendo não apenas uma ruptura no movimento LGBTI+, como pretende manter a imagem hegemônica cis colonial como as figuras centrais da representação máxima do arco-íris — contribuindo para a invisibilização, exclusão, marginalização e violência contra pessoas trans.

Dessa forma, em busca de apoio e com o objetivo de atuar contra os direitos das pessoas trans, tem se aliado a grupos de ódio reconhecidamente conservadores e que atuam em pautas anti feministas com a intenção de incidir junto ao estado contra a cidadania de pessoas trans.

Em todo o Reino Unido, tem havido um movimento crescente de “Radfems” ou “Críticos de gênero” que resultou em um aumento impressionante no assédio online e um impulso significativo para distribuir informações falaciosas sobre mulheres trans, principalmente falando sobre a suposta existência de um lobby trans que visa defender o abuso infantil, ameaçar a segurança de mulheres cisgêneras e promover o apagamento de lésbicas.

É um movimento que pretende contribuir com o processo de desumanização das pessoas trans, caso contrário, teriam que discutir o fato de que sua agenda não nasce de um desejo de libertação das mulheres ou de investimento em sua segurança, mas em vez disso, se alimentam de uma intolerância arraigada contra as travestis e mulheres trans, na quais eles colocam como alvo nas costas. É o ódio transformado em uma declaração de bondade e se assemelham em muitos aspectos com o discurso da falaciosa "ideologia de gênero".

Alem de grupos conservadores, a aliança LGB tem incluído ideias difundidas por feministas trans excludentes, com participação em eventos de grupos como a alt-right nos EUA. Apesar de (supostamente) estarem em lados opostos em diversos temas, como aborto ou direitos dos gays, organizações como a WoLF (Frente de Libertação das Mulheres, ou WoLF, na sigla em inglês), que se define como uma organização de “feministas radicais dedicadas à total libertação das mulheres", e grupos conservadores vêm se aliando recentemente em questões relacionadas as pessoas trans nos EUA. Integrantes da WoLF também participaram de eventos promovidos pelo grupo Religioso conservador anti LGBTI Heritage Foundation e costumam ser convidadas em programas da rede de TV conservadora Fox News.

A direita cristã e evangélica está alavancando com o apoio de grupos LGB antitrans, feministas radicais, influencers, mídia financiada por grandes empresas, e se utilizando das vozes de feministas antitrans para influenciar e oferecer assessoria a esses legisladores, dando a aparência de que esses projetos de lei contam com uma base de apoio mais ampla do que [realmente] têm.

No Brasil, além dos grupos conservadores, feministas cissexistas, LGB cis anti trans e anti queer, a aliança antitrans inclui ainda o bolsonarismo na busca pelos seus objetivos. Figuras como Damares, Janaína Paschoal, Karla Zambelli, jornais e mídia alinhados com pautas de direita e conhecidos por disseminar transfobia, blogs gays, fundamentalistas religiosos e políticos de extrema direito estão entre os principais grupos que a Aliança LGB tem dialogado e construído estratégias para retroceder em direitos das pessoas trans e fortalecer pautas antitrans.

Em 2003, algumas das pessoas que hoje compõe o levante LGB anti trans, já estavam perseguindo profissionais do sexo e os direitos das prostituas, de mãos dadas com os grupos mais conservadores que se tem notícia. De lá pra cá, a atuação tem direcionado o alvo ainda mais diretamente contra as pessoas trans, e atuou diretamente para fortalecer a exclusão do termo gênero na lei do feminicídio a fim de impedir que a lei protegesse pessoas trans, são pessoas que defendem pautas conservadoras e que estão a serviço do patriarcado. Defendem a proibição o uso de banheiro feminino por travestis e mulheres trans alegando que são estupradoras em potencial ou que a autodeclaração de gênero favoreceria predadores sexuais, tem participado de seminários e diálogos contra a possibilidade de mulheres trans no esporte de acordo com sua identidade de gênero e mais recentemente contra o direito de mulheres trans irem para o presídio feminino. Há ainda discussões específicas sendo financiadas desde o reino unido que pretende impedir que crianças e adolescentes trans tenham o direito a uma transição social, acesso aos cuidados de saúde e tem incentivado denuncias contra pais acolhedores sob a acusação de estarem incentivando seus filhos a serem trans(SIC).

E é profundamente preocupante ver gays e mulheres lésbicas cis expressando seu apoio a uma organização que busca deliberadamente apagar uma parte fundamental de nossa comunidade e do movimento de libertação. Os mesmos gays e mulheres que hoje se beneficiam de conquistas de um movimento que teve contribuições históricas de ativistas trans e travestis.

Infelizmente, aqui está a manifestação de mais um grupo divisionista totalmente dedicado a contribuir para a promoção de ataques e veiculação de inverdades lançados sobre a comunidade transgênera e nossos apoiadores todos os dias.

De acordo com o site da LGB Alliance. Afirmam a que “ homossexualidade é atração pelo mesmo sexo. O sexo biológico é real. O sexo é um binário, não um espectro. O gênero é uma construção social. ” Acrescentam ainda a opinião inflamada de que as teorias de gênero são consideradas “pseudocientíficas e perigosas ”.

É claro que com a retórica do essencialismo biológico (que sexo biológico e gênero são a mesma coisa) e essencialismo de gênero (que existem apenas gêneros binários), sua rejeição as pessoas transgêneras e não binárias como parte de nosso movimento e com sua visão paternalista de pessoas trans como simplesmente aqueles que ainda são na realidade “homens ou mulheres”, mas que apenas “se identificam” como outros gêneros, a Aliança LGB está se constitui a partir de manutenção e defesa do direito de excluir pessoas trans.

Podemos então afirmar sem qualquer dúvida, que a LGB Alliance é um grupo trans-excludente. Sua página no Facebook e Twitter reiteradas vezes vinculam diversos artigos transfóbicos para justificar sua ideologia. Para um grupo que supostamente se preocupa em promover apenas a agenda das pessoas LGB, eles parecem ser bastante obcecados por pessoas trans.

O cenário cotidiano para pessoas trans e não binárias é repleto de extrema violência, invalidação e discriminação constante, inclusive entre pessoas cis-LGB. Em 2020, a ANTRA realizou uma pesquisa sobre grupos de ódio na rede social e entre outros, grupos LGB trans excludentes e RADFEM/TERF, estavam entre os grupos mais citados por publicarem transfobia e ódio transfóbico na rede social, ao lado de grupos como policiais militares, cristãos fundamentalistas e outros.

"Esse alinhamento ocorre quando se trata de perseguir e disseminar (des)informações que defendem o cissexismo, gerando não apenas um silenciamento das ideias dissidentes, mas também causando medo e pânico contra pessoas trans nas redes sociais. Esse processo tem trazido impactos reais na vida social e na negação do acesso a direitos políticos das pessoas trans." (ANTRA, Dossiê dos ASSASSINATOS e da violência contra TRAVESTIS e TRANSEXUAIS brasileiras em 2020)

A LGB Alliance está desatualizada sobre como elaborar os medos que tem a respeito das pessoas trans, e está alimentando uma cultura de violência transfóbica que tem implicações reais, diretas, prejudiciais e muitas vezes violentas para pessoas trans e não binárias.

A inclusão trans não representa qualquer risco para os direitos ou sexualidade de ninguém. Homens e mulheres, pessoas LGB cis que temem que a inclusão trans signifique um risco para seus direitos precisam reavaliar esses posicionamentos pela possibilidade de em um curto espaço de tempo também serem atingidos pelas ideias conservadoras que disseminam.

Alguns pontos defendidos pela Aliança LGB:

  • Transgeneridade seria uma espécie de cura gay e incentiva gays e lésbicas a virarem trans;
  • Homossexualidade é atração pelo mesmo sexo (não pelo mesmo gênero);
  • Lésbicas são mulheres biológicas que se sentem atraídas por outras mulheres biológicas;
  • Manipulam informações, dados e pesquisas para criminalizar e marginalizar pessoas trans;
  • Incentivam a narrativa de que mulher trans oferecem riscos de violência sexual a mulheres cis ao dividirem espaços conjuntamente;
  • Afirmam que crianças trans não existem;
  • Acreditam que o sexo não é “atribuído” ao nascimento, mas observado;
  • Não é transfóbico para lésbicas ter seus próprios espaços e instituições que excluem pessoas designadas homens ao nascer;
  • Freqüentemente, há uma ligação entre a existência transgênera e a supressão da homossexualidade;
  • Tentam impedir cuidados em saúde para crianças e adolescentes trans;
  • Disseminam narrativas de que pessoas trans e NB estariam confusas por um suposto lobby trans que pretende transformar todas as pessoas em trans;
  • Temem que o essencialismo de gênero no genital seja apagado pela ideia de gênero ser fruto de uma construção social;
  • Lésbicas cis estariam desaparecendo/diminuindo devido ao que atribuem ser um aumento do surgimento de homens trans/transmasculinos;
  • O número crescente de adolescentes que de repente se apresentam como trans é evidência de contágio social e desconforto com a lesbiandade;
  • Tem grande influência da ideologia TERF/RADFEM;
  • Acreditam que a organização de grupos e coletivos trans estaria atrapalhando pautas LGB e que perderam espaço na mídia pela visibilidade das pessoas trans.

Nesse sentido, o problema que vemos não é apenas que a Aliança LGB exista. A transfobia sempre existiu e sempre lutamos contra ela. O que chama atenção é que a comunidade cis-LGBI mais ampla, siga apática a questões trans. Ver gays, lésbicas e bissexuais cisgêneros e demais aliados, ficarem em silêncio é muito doloroso, especialmente quando vemos ativistas trans exaustas lutando novamente sozinhas.

Temos observado que grupos trans excludentes tem tido mais voz e são mais visíveis na rede social, enquanto aliados e grupos trans inclusivos se mantém omissos sobre mais esse levante antitrans.

Eu realmente me preocupo com a apatia na comunidade cis inclusiva mais do que qualquer coisa. Temos essas pessoas cheias de ódio e se organizando publicamente e, em seguida, temos poucas pessoas lutando ou se posicionando contra eles, que geralmente são as pessoas trans mais marginalizados e temos a grande maioria da comunidade LGB pensando que não é a sua luta.

E assim, o silêncio dos membros mais privilegiados de nossa comunidade soa mais alto do que nunca em face da Aliança LGB. Especialmente quando a homofobia e a transfobia estão enraizadas no mesmo ódio de pessoas cujo comportamento e apresentação não atendem aos estereótipos normativos, agora é mais importante do que nunca que as pessoas LGB cisgêneras estejam enfrentando a transfobia, fortalecendo a luta das pessoas trans.

União para vencer a transfobia e a única aliança possível é contra a transfobia!

É importante que o futuro de nossa luta seja intersetorial e interseccional. Devemos descolonizar nosso desejos e sexualidade, desmantelar a supremacia branca cisgênera, destruir o patriarcado que ganha aliados em nossos espaços e deve abordar todas as marginalizações, incluindo, mas não se limitando a gênero, raça, deficiência, sexualidade, fé e classe. Precisamos ser um movimento de libertação para todas as pessoas.

É fundamental que joguemos cordas, escadas, braços e levantemos todos os que estão pelo caminho. Precisamos deixar muito bem definido que qualquer coisa que empurre as pessoas para trás não é bem-vindo em nosso movimento. Precisamos ser eficazes em afirmar que a transfobia não é bem-vinda, enfrentar a retórica transfóbica, remover qualquer oportunidade de que ela se espalhe, precisamos prestar solidariedade as pessoas trans e não binárias.

Para que a comunidade LGBTI+ avance, a LGB Alliance deve estar afastada de nossos espaços. A única atenção que eles devem receber deve ser negativa e contundente. Está provado que a deformação e ruptura em nosso movimento destrói os próprios alicerces sobre os quais os fanáticos se firmam, deixando-os sem público, por isso é vital que o resto de nós, aqueles que querem MANTER o T com o LGB, sejamos continuamente mais barulhentos do que eles.

Precisamos priorizar as pessoas que são mais afetadas pelo status quo atual. Empatia, gentileza e cuidado mútuo são fundamentais. Precisamos estar abertos para errar, ser desafiados, ser educados e aceitar as novas gerações de pessoas LGBTI+ que estão desafiando nossas idéias sobre sexualidade, relacionamentos, gênero e identidade. Não podemos permanecer arraigados em definições e semânticas exclusivamente homonormativas. Não podemos assimilar na mesma normativa que busca nos destruir.

Não podemos ser impedidos pelo medo e não podemos permitir que nosso medo reprima os outros. Devemos exigir uma mudança de sistema e trabalhar juntos para isso!

Devemos abraçar o futuro em evolução, o fluido e o estranho vindo em nossa direção, onde haja espaço para o binário e não binário, para o cis e trans, e todas as pessoas LGBTI+ coexistirem harmoniosamente. Ou corremos o risco de perder o pouco que ganhamos até agora.

Protejam as pessoas trans!

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Bruna G. Benevides

Sargenta da Marinha, Feminista, nordestina e TransAtivista. Diversidade acima de tudo, democracia acima de todos!