Banheiro feminino é para mulheres!
E não importa se ela tem pênis ou vagina!
E lá vamos nós novamente discutir quem tem direito ao uso do banheiro sem ser importunada ou ter o risco de ser violada e até mesmo retirada compulsoriamente desses espaços. Porque afinal, essa discussão é sobre isso.
Quando surge a questão em torno do uso do banheiro feminino por pessoas trans, ela normalmente se resume ao uso violento do Trans Panic e uma suposta proteção de mulheres cis, para que justifiquem então as tentativas de impedir que mulheres trans tenham acesso a um espaço que foi pensado apenas para mulheres de verdade(SIC) e autorizar que sejamos impedidas de acesso ou retiradas sem que as pessoas que tomam essa decisão sejam responsabilizadas.
O lugar de expor mulheres cis a algum risco, nos colocando como fraude e da tutela sobre nossos corpos, onde não vale quem somos, mas o que as pessoas pensam e definiram sobre nós, é sempre destinado para travestis e mulheres trans. Que são constantemente colocadas sob a constante vigilância cissexista que atribui nossa identidade como ilegítima, e que supostamente abriria espaço para predadores sexuais abusarem de mulheres cis — como se o estupro fosse um crime exclusivo contra mulheres cis. Esse medo, à primeira vista concebível, não encontra substrato na realidade, nem é capaz de justificar tratamento restritivo.
Vale ressaltar que quando comparamos os dados sobre violência ou importunação sexual e/ou assédio contra mulheres cis, os banheiros unissexuais de uso coletivo, podem ser considerados espaços mais seguros que a própria casa ou o trabalho, locais que tem os maiores índices de estupros e violências, além do assédio respectivamente. Onde dados sobre violência cometidos por pessoas trans contra mulheres cis ao dividirem o mesmo espaços, além de estatísticamente irrelevantes — apesar de altamente preocupantes, não passam de casos isolados quando comparados aos dados gerais de violência contra a mulher.
Esses dias — novamente — vimos mais um caso em que supostamente uma mulher trans ao dividir espaços comuns dentro de um SPA (veja nota 1 ao final do texto), na área destinada a mulheres, foi acusada por uma mulher cis de "mostrar o pênis". De acordo com informações do NBCNews “uma mulher (cis) reclamou com os trabalhadores da Wi Spa USA sobre uma cliente trans que se despiu, exibindo assim seu pênis em uma área onde as mulheres estão nuas”, e assim como as demais mulheres, a mulher trans ao trocar de roupa saindo de um spa, tirou a roupa e ficou nua. Vejam bem: um SPA, onde há áreas comuns em que as pessoas trocam de roupa e ficam peladas.
O que foi suficiente para que a acusadora não apenas constrangesse a suposta cliente trans, mas se sentisse no direito de humilhar, expor e chamar a polícia acusando a mulher trans de lhe oferecer algum risco — sem mencionar nada além de um constrangimento pessoal ao ver o pênis de uma mulher. Ainda durante a reclamação, videos mostraram que ela gritava com o atendente do local de forma altamente violenta dizendo: “Eu vejo um pau! Isso me permite saber que ele é um homem. Ele é um homem. Ele é um homem. Ele não é uma mulher".
E isso foi o suficiente para que movimentos anti trans da extrema direita fizessem protestos no local, com a intenção de impedir que mulheres trans sejam recebidas naquele espaço — uma disputa constante contra o acesso de mulheres trans a espaços femininos — pauta que une fundamentalistas, conservadores anti direitos trans e feministas radicais. O que é revela o teor da "denuncia" e as intenções por trás disso. Alguém surpreso?
Ao utilizarem espaços compartilhados com pessoas cis, Mulheres trans e travestis, em geral se preocupam muito não apenas com seus próprios níveis de conforto e segurança, mas também com os níveis de conforto das pessoas ao seu redor, exatamente pelo alto risco de serem expostas a esse tipo de situação. É super comum relatarem que não usam espaços públicos por medo, chegando a segurar a vontade de fazer xixi ou mesmo deixam de frequentar clubes, academia e até mesmo a escola diante desse tipo de situação e pela falta de segurança nos espaços.
E a forma de publicar, tratando insistentemente a suposta mulher trans como "homem usando banheiro/vestiário feminino"(sic) e deduzindo o contexto em que o pênis ficou a mostra (se intencional ou não), faz toda diferença e nos diz muito, inclusive o porque desse caso ser trazido pro “debate” de forma tão irresponsável e tendenciosa.
O ódio gera engajamento!
Vale ressaltar que no caso citado, se é que ele existiu, a mulher trans estaria no lugar certo, destinado ao gênero que se identifica. E por acaso ela tinha um pênis — o que, apesar de não ser uma regra, é super comum em mulheres trans — e obviamente haveria a chance de alguém ter contato visual com seu corpo, já que o espaço é compartilhado. Até porque, se ela estava arrumando a roupa ou se trocando e por acaso ficou a mostra seu pênis, sem qualquer intenção sexual, que mal há nisso?
Até onde foi apurado não houve qualquer ato libidinoso ou ataque sexual a qualquer mulher. Houve uma mulher de pau nua em um espaço de mulheres.
Se ela mostrasse o genital de forma desrespeitosa ou libidinosa, seria crime (atentado ao pudor) mesmo se ela fosse cis — o que definitivamente não foi o caso como algumas pessoas fizeram parecer ao publicizar o caso na rede social. Uma mulher cis expondo sua vagina também causaria o mesmo constrangimento nesse contexto de troca de roupa?
Normalizem a nudez. Normalizem espaços onde pênis e vaginas de mulheres habitem sem constrangimentos. Normalizem genitais e os corpos das pessoas trans. Normalizem mulheres de pênis.
Evidente que nesse caso o problema não foi exatamente um pênis ter sido notado, mas o fato de ela ser uma mulher trans — e todos os estigmas que são jogados contra nós. E por isso, algumas pessoas cis se sentem imediatamente autorizadas a usarem deste caso para acionar a política de medo para gerar pânico anti-trans, e na tentativa de atribuir um rótulo de “estuprador/predador sexual”(SIC).
Estupros são cometidos por pessoas, homens e mulheres, e não exclusivamente por genitais, apesar de a maioria dos casos ser cometido por homens contra mulheres no ambiente doméstico. E mesmo os raros casos confirmados de assédio/estupros em espaços femininos praticados por pessoas trans, partiram de uma minoria, e devem ser enfrentados e ter as pessoas responsáveis presas e retiradas de circulação.
Constantemente esses casos excepcionalíssimos vem sendo disseminados de forma massiva a fim de tentar provar alguma teoria absurda de que mulheres trans oferecem riscos a mulheres cis por supostamente abrirem espaço para homens fingirem ser mulher para estuprarem mulheres cis (SIC) — por mais fantasioso que possa parecer, há pessoas que realmente acreditam e disseminam essa ideia. Utilizando uma excessão como se fosse regra e estigmatizando todas as travestis e mulheres trans. Atribuindo estigmas e direcionando o ódio transfóbico a pessoas trans.
Ha ainda quelas pessoas que tentam sugerir que as mulheres cis que se sentiram ofendidas estariam traumatizadas por terem visto o pênis de uma mulher trans. E nesse sentido, um terceiro banheiro não seria uma boa solução e nem uma reivindicação das pessoas trans. E por isso é extremamente importante rediscutir a lógica de espaços segregados por gênero a partir da ótica que enfrente a regra binária que está estabelecida.
Até lá, é fundamental à utilização de banheiros públicos femininos por travestis e transexuais femininas, e inaceitável que proponham banheiros específicos para transgêneros.
Mulheres trans e travestis estão em constante perigo ao usar o qualquer espaço com pessoas cis. O que vemos na realidade, são episódios de violência moral e física contra travestis e transexuais femininas quando são obrigadas a usar o banheiro feminino.E pelo menos em espaços públicos pensados para que sejam feitas necessidades fisiológicas, não é aceitável que sigamos sendo violentadas e expostas a violência de forma naturalizada.
A proibição de utilização de banheiro feminino por uma pessoa travesti ou transexual feminina configura violação à proteção da dignidade humana e ao direito de liberdade sexual e de gênero, prejuízos que se materializam contra indivíduos e grupos percebidos e subjugados como minorias altamente estigmatizadas em nossa sociedade.
Neste campo, pode‐se relacionar o direito à utilização de banheiros com o conteúdo essencial do direito de igualdade, com a proibição de discriminação direta e indireta por motivo de identidade de gênero, sem esquecer da intersecção entre tal critério proibido de discriminação e a idade, dada a intensidade dos prejuízos para crianças e adolescentes trans.
Esta disputa por qual banheiro deve ser utilizado pelas travestis e transexuais frequentemente ganha espaço na mídia e no Poder Judiciário, sendo retratada a partir de diversos pontos de vista, seja em apoio às travestis e transexuais, seja defendendo que não devam utilizar o banheiro feminino.
Quanto à privacidade como fundamento para proibição de utilização, pondera‐se sobre a parcialidade e insuficiência do argumento, na medida em que transexuais obrigadas a utilizar um banheiro que não corresponde à sua identidade de gênero também tem sua privacidade violada.
São de conhecimento público os episódios de violência desferida contra pessoas trans em banheiros masculinos, como também evidente o prejuízo à saúde, que abarca o direito de realizar necessidades fisiológicas não apenas em ambientes apropriados, como também livre de discriminação.
Isso sem falar da exposição pública vexatória e desrespeitosa à honra, à imagem e à vida privada das pessoas trans que, no caso relatado da repercussão geral que será julgada pelo STF, resultou na perda de controle e na excreção nas próprias vestes, em espaço público, sob o olhar de transeuntes.
A transexualidade, não importa se abordada biomédica ou socialmente, é indissociável do modo de ser e de estar no mundo das pessoas transexuais. Ela não é atributo ou característica secundária ou acessória, possível de desagregar da existência humana de tais pessoas. Desse modo, desconsiderar ou excluir pessoas em virtude de tal condição identitária significa ferir o âmago da proteção constitucional da dignidade humana. (Direitos humanos, transexualidade e “direito dos banheiros”)
É o que acontece quando se postula simplesmente ignorar a transexualidade num espaço de vida e convívio tão significativo e vital como o acesso a banheiros abertos ao público ignorando sua condição de identidade de gênero, feminina.
Em novembro de 2015 foi à julgamento no Supremo Tribunal Federal o RE 845.779, o qual discute o direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem. O julgamento, porém, foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux e até o momento não temos respostas. O julgamento segue paralisado e pessoas trans continuam sendo violadas.
Cabe ressaltar que após a decisão do STF sobre a criminalização de LGBTIfobia, proibir pessoas trans de acessarem banheiro e/ou qualquer outro espaço devido a sua identidade de gênero deve ser reconhecido como crime de racismo, enquadrado na Lei nº 7716/89.
A vítima deve registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia pode ser a comum ou a específica, como a DECRADI — Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. Em seguida, procurar um advogado para cuidar do processo — não é obrigatório um advogado para poder dar entrada no processo de discriminação racial, é possível contar com a Defensoria Pública.
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Nota 1:
A polícia ao investigar o caso mencionado neste artigo, sugere que o mesmo seja fakenews criada para incentivar ódio as pessoas trans. E aqui no Brasil, ganhou debate público após ser compartilhado por grupos de feministas radicais e por uma "jornalista" conhecida por ser mitomaníaca.
https://slate.com/human-interest/2021/07/wi-spa-la-transphobic-protest.amp
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Nota 2:
Homens trans e pessoas transmasculinas, apesar de se sentirem inseguros de frequentar banheiros masculinos e alto índice de insegurança desses espaços para seus corpos, não tem reportado casos em que tenham sido vítimas de qualquer tipo de violência, simbólica, sexual ou física em banheiros masculinos.
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REFERÊNCIAS
Direitos humanos, transexualidade e “direito dos banheiros” — Roger Raupp Rios e Alice Hertzog — https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/16715
Voto Ministro Barroso em Julgamento — https://www.conjur.com.br/dl/voto-ministro-barroso-stf-questao.pdf